terça-feira, 7 de junho de 2011

Educação livre - por quê?

"Já que nós não sabemos quais conhecimentos serão os mais necessários no futuro, não faz sentido tentar ensiná-los antecipadamente. Ao invés disso, nós deveríamos formar pessoas que amam tanto aprender e que são tão hábeis em adquirir conhecimento, que elas podem então aprender o que for necessário ser aprendido a cada momento."
- John Holt

Eu fui uma aluna considerada bem-sucedida na escola. Sempre tirei notas excelentes. No entanto, se eu tentar fazer um balanço, certamente não retive mais do que a metade da matéria que me foi ensinada ao longo dos meus anos escolares. No caso das crianças que foram mal na escola, certamente a porcentagem de aproveitamento é muito menor. Contando a partir da minha alfabetização, foram doze anos frequentando a escola seis horas por dia, cinco dias na semana, nove meses no ano. Se a escola me ensinou a fazer conta, eu digo que foram cerca de 14 mil horas assistindo a aulas, das quais pelo menos 7 mil foram completamente desperdiçadas. Agora eu pergunto, quem vai me devolver 7 mil horas da minha juventude? O que eu poderia ter aprendido ou produzido, que lugares eu poderia ter visitado, que pessoas eu poderia ter conhecido, ao invés de estar sentada numa cadeira devaneando, escrevendo bilhetinhos, rabiscando ou fazendo qualquer outra coisa que me ajudasse a lidar com o tédio?

É claro que algumas famílias preferem que a educação dos seus filhos aconteça na escola, dentro dos modelos existentes, com os currículos e provas e com as sete mil horas de tédio indo embora pelo ralo da juventude (um "mal necessário", creem eles). Eu não concordo, mas respeito o direito delas. Outras famílias percebem que tem alguma coisa errada nessa história toda, mas não acreditam que haja uma alternativa. E tem as famílias, entre as quais incluo a minha, que não acreditam que esse modelo seja o melhor para seus filhos, e que buscam um caminho diferente.

Muitas famílias acreditam que as crianças podem seguir seus "anos escolares" desvendando o mundo da mesma maneira como fazem desde que nasceram, ou melhor, desenvolvendo cada vez mais essa prática. Os bebês aprendem vendo, tocando, sentindo, cheirando, quebrando, caindo. Na medida em que crescem, se a elas for dada permissão e incentivo, as crianças se envolvem nas tarefas dos demais membros da família, fazem perguntas, abrem livros, procuram especialistas que respondam perguntas que seus pais não sabem responder, aprendem soma e subtração no simples ato de fazer uma compra no mercado, aprendem sobre juros ao participar das finanças da família, aprendem frações tentando dividir cinco barras de chocolate entre três irmãos, aprendem a ler para compreender o bilhetinho que o papai deixou, aprendem a escrever para compor uma cartinha de feliz aniversário para a vovó. Aprendem história, geografia, física, matemática, literatura, antes mesmo de saber que os adultos fazem essa divisão dos assuntos. E mais, aprendem felizes, entusiasmadas, porque aprendem de verdade, e não esquecem no dia seguinte como as crianças na escola que só estudaram para a prova.

No livro "Teach Your Own", John Holt traz dezenas de exemplos de crianças normais, de famílias normais (de todas as classes sociais), que alcançam aprendizados extremamente complexos para suas idades, somente porque elas tinham interesse no assunto. Um menino de sete anos que passou um mês só estudando química de nível de graduação porque se interessou pelo mundo dos átomos; outro de onze anos que fez um curso de astronomia junto com adultos, quase todos estudantes ou formados em física e matemática; uma menina de cinco que aprendeu sobre todo o ciclo de vida das borboletas. Tudo isso com o incentivo e ajuda dos pais, que não sabiam todas as respostas para suas dúvidas e curiosidades, mas que sabiam onde achar quem soubesse, encontraram professores universitários dispostos a ajudar (alguns que, inclusive, se tornaram amigos das crianças), encontraram livros, bibliotecas, bibliotecários que os ajudaram.

É extremamente difícil resumir em poucas palavras o que é o unschooling. Em "Teach Your Own", Holt diz:

"Quando pressionado, eu defino unschooling como a permissão para que as crianças tenham a maior liberdade para aprender no mundo que seus pais possam confortavelmente comportar. A vantagem deste método (sobre o método school-at-home) é que ele não requer que os pais se transformem em outra pessoa, um professor profissional despejando conhecimento nas veias da criança de maneira planejada. Ao invés disso, vocês vivem e aprendem juntos, perseguindo questões e interesses enquanto eles surgem e usando materiais convencionais da escola quando e se houver demanda para isso. É desta maneira que nós aprendemos antes de ir para a escola e depois que saímos dela."

Por exemplo, o interesse de uma criança por trens pode levá-la a estudar como os motores funcionam (ciência), quando e em que contexto foram inventados (história), para que servem (geografia e economia), etc. Ou o interesse por passarinhos pode levá-la a estudar biologia e ecologia. O importante é que serão interesses da própria criança, um projeto que ela mesma criou, e portanto ela jamais esquecerá o que ela aprendeu.

Eu acredito que é aprendendo desta maneira que elas se tornarão jovens adultos apaixonados pelo conhecimento, extremamente hábeis em aprender qualquer coisa que precisem para seguir com liberdade e entusiasmo o seu rumo pela vida.

3 comentários:

  1. o meu filho Pedro, ama insetos, bichos, e aprende muito assim. Ele já entende bastante de cadeia alimentar, ciclos de vida como os de borboletas, mariposas, se interessa bastante sobre animais extintos, então de quebra entende um pouco do que chamamos de grologia, arqueologia, biologia, zoologia e etc. é apaixonado por dinos, e a cada dia eu fico mais e mais impressionada com os desenhos que ele faz destes animais que pesquisa, e com o conhecimento que ja tem com quase 8 anos.
    estou bem apaixonada por este tema , e me interesso demais por desescolarização, me sinto insegura demais pra fazer/ praticar (?) a educação livre, mas pratico de uma forma meio "omissa", ele vai pra escola quando tem muita vontade, quando pede pra ficar eu deixo, e o tempo que ele fica em casa, está sempre brincando a procura de insetos, ou pesquisando sobre os bichinhos que ele gosta de estudar!

    eu no fundo, por insegurança queria aquele modelo pronto, que me deixasse segura perante "a lei", etc...
    mas em relação ao seu desenvolvimento social, emocional, etc acho que ficaria perfeito se eu me sentisse segura de deixá-lo livre! a minha segurança passaria pra ele, e com certeza poderia ajudá-lo mais em sua exploração mundo a fora!!!

    vixi, falei de mais
    beijos

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  2. Fe, linda iniciativa! Te faço uma pergunta. Dentro de tudo o que você leu sobre o assunto, existe alguma esperança de unschooling para famílias em que os pais trabalhem fora?
    Beijocas!

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  3. Ana Cris, existe sim. O Holt fala que o ideal seria que um dos pais possa fazer home office ou trabalhar meio período, ou seja, que um dos pais esteja junto com os filhos por algumas horas por dia. Não são necessárias seis horas, pois na escola mesmo não há seis horas de ensino; muito tempo é perdido em deslocamentos, esperas, etc. O que é importante é ter tempo de conversar com a criança todos os dias para saber quais assuntos ela quer explorar, e planejar os próximos passos num processo vivo e ativo. Outras pessoas da família e amigos também podem ajudar, e os pais sempre podem contratar tutores para abordar algum assunto que talvez não dominem ou não tenham interesse em aprender com a criança. Há esperança sim!
    Beijão =)

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